Pier Paolo Pasolini foi assassinado numa vivenda
do Alto Estoril.
Jamais em desértica praia italiana
ou nos olhos de quem passa contente objecto
sexual da Via Venetto
foi aqui nesta rua que desce dos Bombeiros
para a praia da Poça da minha infância.
A casa está rodeada de relva por todos os lados
como se fora um barco de cal
uma cisterna pouco nocturna
e então chegaram os bastardos (foram muitos)
com facas
guizos sangrentos serpentes amestradas
pela boca
todos devagar diante do espelho que
estava quebrado no meio da erva
e desferiram sobre o corpo de Pier Paolo Pasolini
uma flecha venenosa. Mataram-no a sangue frio.
Ao cair da madrugada.
Numa vivenda do Alto Estoril.
Notícias muitas correram mundo
davam-no como morto algures em Itália:
tinha sido esmigalhado por uma rapariga que vestia de rapaz.
Penso que os jornais e as televisões endoidecem
de uma doença réptil como a magia dos trópicos:
porque Pier Paolo Pasolini morreu e
morre ainda todos os dias aqui
na minha terra (um pouco acima do Tamariz)
numa rua que desce dos Bombeiros
para a doméstica praia da Poça.
Não se esqueçam:
ao sapo coloca-se-lhe um cigarro na boca
até rebentar.
Estoril – Verão 1976
(in livro de poemas ‘Serenata ao Diabo’. Edições Mic, Estoril, Abril de 1978)
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