No último trimestre de 1999, o «Diário de Notícias» convidou Fernando Grade para publicar um poema sobre Timor Lorosae. O poema, este que se segue, foi censurado. Nunca veio a lume...Entretanto o poema «Os Mortos de Suai ou Homenagem Latina a Ma'Hodu» foi enviado ao Xanana.
Os Mortos de Suai ou Homenagem Latina a Ma'Hodu
À memória do maior ficcionista português do século XX: José Rodrigues Miguéis
"TUDO malhado a sangue, o coração atingido por facas
balas sórdidas dobradas a rasgar a pele, a carne
em larva (máscara), olhos castos esburacados.
Chegaram então os mortos de Suai. Quando eu soube descia
a avenida lisbonesa Almirante Reis, lembrei-me de ti
oh Miguéis. Vinham de longe, apareceram pelo meio
da tarde as bestas; não eram à solta pássaros
densos nem vento d'asas a brilhar, era sangue bom
escorrendo massacrado por hienas. E fui contigo (Zé
Rodrigues) e com a dona Genciana e com o «Pata-
-Choca» e descemos em Díli para lutar contra
os chacais. E tínhamos as mãos nuas, os sãos têm
quase sempre os desejos assim:nus. Entretanto em
Suai uma mancha de bolor fumegante cresceu
em todos os corpos; no sítio onde esteve o Cinatti
vê-se agora o coração de uma rapariga morto, à sombra
dos venenos: tudo calcinado regado a ódio velho
da meia-tarde negra ao princípio da madrugada
- os padres úteis os inocentes as crianças
as míticas mulheres de olhos de rosa mirrados
as veias espezinhadas para dentro do mar em fundo
em Suai o ranço a cobrir as paredes tombadas,
talvez mil mortos misturados no cheiro acre do
chão, não é fácil esquecer as adagas o sol caído
ao pó de Suai, os punhos rastejantes, o terror
o silêncio voraz a roer os rostos com vermes.
E a sarna e os bichos destroem também o nome de Deus
as galinhas passeiam tontas por entre o esterco
foi um tornado foi a lepra foi um ciclone de cinza.
Mas os beijos claros onde o sangue correu moço nunca
esquecem: a nova Guernica já tem nome e chama-se
Suai. É com estes todos mortos justos que vai nascer
um país de trevos - Timor Lorosae."
balas sórdidas dobradas a rasgar a pele, a carne
em larva (máscara), olhos castos esburacados.
Chegaram então os mortos de Suai. Quando eu soube descia
a avenida lisbonesa Almirante Reis, lembrei-me de ti
oh Miguéis. Vinham de longe, apareceram pelo meio
da tarde as bestas; não eram à solta pássaros
densos nem vento d'asas a brilhar, era sangue bom
escorrendo massacrado por hienas. E fui contigo (Zé
Rodrigues) e com a dona Genciana e com o «Pata-
-Choca» e descemos em Díli para lutar contra
os chacais. E tínhamos as mãos nuas, os sãos têm
quase sempre os desejos assim:nus. Entretanto em
Suai uma mancha de bolor fumegante cresceu
em todos os corpos; no sítio onde esteve o Cinatti
vê-se agora o coração de uma rapariga morto, à sombra
dos venenos: tudo calcinado regado a ódio velho
da meia-tarde negra ao princípio da madrugada
- os padres úteis os inocentes as crianças
as míticas mulheres de olhos de rosa mirrados
as veias espezinhadas para dentro do mar em fundo
em Suai o ranço a cobrir as paredes tombadas,
talvez mil mortos misturados no cheiro acre do
chão, não é fácil esquecer as adagas o sol caído
ao pó de Suai, os punhos rastejantes, o terror
o silêncio voraz a roer os rostos com vermes.
E a sarna e os bichos destroem também o nome de Deus
as galinhas passeiam tontas por entre o esterco
foi um tornado foi a lepra foi um ciclone de cinza.
Mas os beijos claros onde o sangue correu moço nunca
esquecem: a nova Guernica já tem nome e chama-se
Suai. É com estes todos mortos justos que vai nascer
um país de trevos - Timor Lorosae."
Oeiras, 1999
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