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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2017

GEOGRAFIAS (Heróicos e Sáficos)

"«Sem mistério não há beleza. A beleza é o esplendor do mistério, não da verdade. O  próprio encanto das cousas jaz, no escuro, como que querer iluminar-se.» (Teixeira de Pascoaes) Nos bailes de Corínto, penso em corpos que foram vento de água, voos planos, e os beijos que soltei nasceram mortos, porque os meus lábios nunca fazem anos. Nas tardes lentas de Óstia, pelos bosques, sonhei com peixes, imp'rador's romanos, e fiz arder bandeiras nos deboches: marfim, coxas gulosas, ricos panos... Cresci com ódio, setas, com retratos, poços de fumo, ao fundo de outros braços, e as ninfas em que cri eram de tela. Na praia de Óstia, mestre de ostras sou, fui vagabundo de almas em Bruxelas, inchei de medo e nunca tive dó." Fernando Grade, Espargal - 10 de Junho de 1985 in "Viola Delta" 12º Volume.

RIOS COM LUZES BREVES

"Há luzes de erva veloz no coração dos peixes. Há peixes de sombra atravessados por uma luz finíssima, filtrada à porta do caos. O casaco que visto ainda não serve para fugir ao medo. Rosa no púbis (ou apenas) trevo. São de águas mórbidas o sonho em que à noite te levo. O que em mim melhor se lava é um prego escuro e tem bichos à volta como o desassossego. Há rios que nunca noivam: madastra de pão - o Tejo; toiro moribundo - o Mondego." Fernando Grade Faino, 19 de Junho de 1987 in "Compra-me um doido"

ODE EM BUZANO

"«I Know not what tomorrow will bring.» (Nogueira Pessoa, nas vésperas da morte) O vento sábio, que nos olhos tive, era leão - pântano de panteras. Todas as datas fictícias foram afogadas em absinto. Era bissectriz a aldeia que também tive, azulada e negra, neutra como os teus pulmões. Ardem sonhos à míngua de terra - cal perdida, branco pouco nu. É noite, incendeia-se o teu corpo, Almira Curta, no quarto dos medos. As fêmeas vão viajar rente aos plátanos, no país dos trevos. O cu não sabe.  Mas deixa que o teu corpo arda em combustão de flores roxas e aves de neve, oh sábio rateado dos perversos. Não sei de casa mais humilde e cumprida do que este teu corpo envenenado por insectos. Nunca serei geógrafo de nuvens. As últimas casas serão as primeiras. E a água sabe sempre para onde vai" de Fernando Grade Buzano - 24 de Maio de 1985 in "Alma Burra"

Manifesto Desintegracionista

"SINAIS DOS TEMPOS 1 — O homem de hoje tem os olhos voltados para o Espaço, através do qual anseia libertar-se da sua condição telúrica, sem contudo desejar evadir-se da sua condição humana. Simultaneamente, procura captar novas fontes de energia para as utilizar na transformação da vida, num domínio sempre progressivo das forças naturais. 2 — Na aventura da conquista espacial — aventura em que damos os primeiros passos nos nossos dias o homem procura unir-se, independemente da sua nacionalidade, em idêntica sofreguidão de espaço livre a prospectar, de universo a reconhecer e a conquistar. 3 — Não é de hoje a curiosidade e a tentativa humana de projecção para alem do globo terrestre, na mira de se libertar da lei da gravidade. Cientistas, filósofos, artistas, em todos os tempos, sempre foram atraídos para os mistérios do universo exterior. As obras que criaram dão-nos conta da inquietação humana ante os mundos desconhecidos que nos contemplam. Antigas civilizações, atr

O CHEIRO MÁGICO OU MALÉFICO DAS DATAS

"Às datas chamo-lhes bichos fálicos ou trapézios de água, faço-as arder como punhados de sal. As datas são camarins onde o nu sabe e não sabe a uvas. Em cada data há um burro morto enterrado a flauta dúbia. Mas reparem que o nu do peixe não tem data. Datas com rosas, datas de tesão e trigo, datas acarinhadas por veludo ou mãos de marujo, datas ao vento, datas servas como sabres. Para cada data o seu pó, uma noite de poeira, a sua rua de serpentes afogadas em vinho. As datas perseguem-me e gastam-se, bebem-me o sangue. Tenho o coração datado." Café concerto «O Camarim» Lisboa 22 de Outubro de 1985 in "Viola Delta" 13ºVolume.